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Lost Stars – Adam Levine, filme ‘Begin Again’

February 1, 2015 – 3:42 am |

Alguns anos separam meu último post neste que um dia chamei de ab lucem. Recebi e-mails solicitando novos textos, reclamações, perguntas do ‘porque parei’. O fato é que não andava muito inspirado a escrever. Bem, …

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Quando duas historias se encontram…

Submitted by on June 24, 2010 – 3:34 amNo Comment

É São João no nordeste. Bem, no Brasil todo, mas nada se compara às celebrações que ocorrem no nordeste do país. Ouço os fogos de artifício pela janela e me lembro de um fato bastante curioso que presenciei.

Não tenho certo o ano, mas arriscaria dizer que foi em 2004. Vivia na Espanha então, na pequena e pacata Burgos. Cidade de 180.000 habitantes, tranqüila, ainda com resquícios medievais e uma atmosfera algo aristocrática. Sua história se refletia em cada uma de suas antigas casas, igrejas, a famosa Catedral, vielas, estradas, castelo, etc. Foi outra historia, entretanto, que me marcou nessa curiosa noite de (um fresco) verão.

Devia ser julho, talvez agosto. Estávamos recebendo um grupo de estudantes de línguas vindos dos mais diversos países da Europa: Alemanha, Croácia, Servia, Lituânia, etc. Um grupo algo misturado, variando desde estudantes com 17 anos ate algumas de quase trinta. Uma dessas estudantes, que era na verdade uma professora de espanhol em sua Servia natal, foi a personagem deste episódio.

Acontecia algum tipo de comemoração na região. Havia uma série de preparativos e à noite haveria uma queima de fogos perto do Rio Arlanzón. Saímos todos em direção ao centro da cidade. A bela Catedral de Burgos ao fundo (uma das mais belas catedrais góticas do mundo), a antiga muralha medieval à nossa frente e o Arco de Santa Maria (principal entrada durante o medievo) pouco à direita.

Chegamos cedo, sentamo-nos na grama a esperar a queima. Encontrei algumas amigas que ali já estavam. Conversamos e esperamos. A minha amiga Servia, sempre alegre e extrovertida, conversava, sorria, divertia-se… A noite era clara e bonita. Tudo fazia prometer ser um belo espetáculo pirotécnico.

Começam os fogos. Não havia o tradicional barulho ensurdecedor de bombas explodindo. Era mais um ruído parecido ao de um foguete sendo lançado em filmes. A explosão não vinha com sons muito fortes, só com algo mais de fumaça e o maior ruído era a força do foguete subindo. Um enorme zumbido.

Estava bonito o espetáculo. Do nada, entretanto, noto algum movimento. Alguém se havia levantado. Não dou muita atenção a isso. Pouco depois, entretanto, noto que a servia não estava mais conosco e a busco. Encontro-a contra a parede, braços se abraçando como que para se proteger. Chorava! Chorava bastante, tremendo um pouco até.

Perguntei o que havia acontecido. Foi quando caiu a ficha: uma testemunha viva da Guerra do Kosovo! Os foguetes trouxeram à tona lembranças que pensava haver deixado para trás. O inconsciente jogava sua parte, não permitindo que ela jogasse fora aquelas memórias de sofrimento, medo, dúvidas. Dúvidas quanto à sua própria vida, muitas vezes. Era um episódio já findado há uns 10 anos, mas ainda lhe trouxe fortes reações.

A certeza da segurança naquele local de nada serviu. Saber que a sua região já estava segura não consolava o sofrimento. As lágrimas logo se confundiam entre aquelas de medo com outras de alívio, de haver tudo acabado e não ter sido nada mais que um reflexo. Uma memória reprimida.

O perigo de se reprimir memórias, os sentimentos… Certas pessoas costumam acreditar que, ao guardar momentos de extremo sofrimento para si mesmas, estes momentos se esvaecem com o tempo. A realidade mostra que no geral isso não ocorre. Pequenas forças externas, por vezes imperceptíveis, podem acionar um mecanismo de defesa que traz reações em cadeia. Às vezes uma palavra, ou um aroma, um sentimento de deja vu. Não sou muito adepto da teoria de que se deve dividir os sofrimentos, as angustias e medos. Acredito, entretanto, que cada um deva buscar o seu modo de encarar os medos, as memórias, aquelas lembranças que lhes perseguem.

Nem sempre isso queira dizer ficar preso ao passado. Por vezes tomamos uma atitude no passado que explica algum tipo de comportamento que temos nos dias de hoje. Não quer dizer que fiquemos presos ao passado, mas por vezes é nosso modo de reagir ao meio, alguma maneira de defesa que criamos que pode ter sido eficiente a ponto de sequer percebermos que a temos.

O medo é algo confuso. Muitas vezes pessoas próximas sequer imaginam nossos maiores medos. Medo é uma fraqueza, ensinam as artes marciais que as fraquezas devemos esconder dos nossos adversários. Muitas vezes, entretanto, escondemos as coisas tão bem que as escondemos de nós mesmos, tratando aliados, pessoas queridas como adversários: fechando nossos sentimentos para eles. É o efeito dessa resposta inconsciente a uma defesa que levou muito tempo para ser construída.

A servia conseguiu superar o seu medo. Lembrou no dia seguinte do evento com sobriedade e contou as suas horríveis memórias dos bombardeios. Necessitou de um empurrão externo, obra do acaso talvez, para conseguir por para fora algo que a atormentava, e dizia sequer saber que tinha preso dentro de si…

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