Desert Rose – Sting
Cresci ouvindo músicas do The Police, cantando as gostosas e belas melodias entoadas por Sting. Foram hits que marcaram uma geração inteira, e arrisco dizer chegaram até os nossos dias com força. Quem não se lembra de ‘Every Breath you take’, ou de ‘Message in a bottle’, apenas para citar umas.
Com o passar dos anos, o grupo passou por um amadurecimento das letras e música. Lembro de uma em especial que é na verdade uma crítica à situação bipolar em que se encontrava o mundo durante a guerra fria, e em especial à ameaça de guerra nuclear. Chama-se ‘Russians’.
Com a dissolução do grupo, Sting decidiu lançar carreira solo. Começou a se envolver com o Cacique Raoni (até hoje mantém fortes ligações com o Brasil, vindo inclusive visitar a Bahia de vez em quando) e passou a adotar uma música mais critica.
Os anos passaram e ainda me lembro quando, em 1999, deparei-me com um novo álbum seu chamado ‘Brand new day’. Era um Sting diferente. Um Sting muito mais maduro do que na época de ‘Fields of Gold’. As misturas de ritmos, sons, línguas nas músicas eram perfeitas. Estavam no ritmo certo, como que em um equilíbrio matemático que refletia a harmonia do próprio artista. Seu ‘eu interior’ harmonizando querendo voltar a cantar seu sentimento de maneira mais poética.
Uma música em especial me marcou bastante. A lembrança que me vem é em um carro caminho à Chapada Diamantina ouvindo essa mesma trilha vez por outra. Trata-se de ‘Desert Rose’, para mim uma obra prima recheada de lindas metáforas, sons, cores e ate mesmo cheiros.
‘Desert Rose’ começa com um famoso cantor árabe (de origem algeriana) cantando algo. Para minha surpresa não é na verdade árabe puro, senão uma mistura de línguas de tribos nômades, mas de origem árabe. Volto à fala de Chab mais tarde.
Dificilmente se achará uma pessoa que não goste dessa música e não a ache bonita. Poucas pessoas, entretanto, deram-se ao trabalho de realmente parar e escutar o que se esta cantando. O que realmente se tenta contar. A música é na verdade uma ode a um amor impossível. Uma paixão nem sempre correspondido, às vezes algo platônico que fica no mundo das idéias e não se concretiza.
Canta Sting: ‘I dream of rain/ I dream of gardens in a desert sand/ I wake in pain/ I dream of Love as time runs through my hands’. Um sonho… Um jardim em plena areia do deserto. Um sonho impossível, uma visão do belo no meio de uma atmosfera árida, seca até em sentimento. Um ser que aparece para trazer cores, aromas e beleza em algo onde antes nada nascia. Mas ele acorda com a dor, a dor de não ter sido. De não ter jamais acontecido. De não passar de um desejo que de tão forte chega a fazer com que ele sinta haver sido real.
As suas formas no fogo do deserto. O fogo de sua paixão que o aquece (as noites no deserto podem ser bastante frias). Ele brinca com as formas e vê a imagem de sua amada em tudo. Está basicamente impregnado pelo perfume dessa bela ‘rosa do deserto’. Aqui Sting usa uma das frases que acho mais lindas dessa música: ‘No sweet perfume ever tortured me more than this’. Nenhum doce perfume jamais me torturou mais do que este… Dificilmente se esquece o doce e inebriante perfume da figura de nosso desejo.
E a falta de racionalidade deste confuso sentimento? Perdendo a lógica, mesmo nos seus sonhos ele vê como ela se afasta dele, vira-se de costas e se vai. Esvaece-se no meio do nada. Tudo nada mais era do que um sonho, e nada mais é aquilo que antes parecia ser…
And as she turns
This way she moves in the logic of all my dreams
This fire burns
I realise that nothing as it seems
A figura se vai. O sonho acabou, a dura e pesada realidade se apresenta fazendo-lhe cair no quente e arenoso chão do deserto. Ele acorda em profunda dor, uma dor não física, mas talvez mais real do que qualquer outra. Sonha então com a bonança, com a chuva, levanta o seu olhar para os céus, fecha os seus olhos e consegue mesmo sentir ‘aquele raro perfume que é na realidade a doce intoxicação do seu amor’. (‘This rare perfume is the sweet intoxication of the love’).
Essa para mim é uma das mais belas composições de Sting. Uma maravilha de metáforas, de sons, de sensações. Uma obra de um artista maduro que sabia exatamente o que queria expressar e como fazê-lo. Sting contou certa feita que tinha escrito a melodia e depois adaptou com a letra. Conseguiu encaixar as duas, a meu ver, à perfeição.
Retorno agora à fala de Chab Mami no início da música. O álbum ‘Brand New Day’, como disse antes, recebeu a participação de artistas dos mais diversos. Sting procurava algum árabe para fazer parte dessa música (logicamente Desert Rose pedia de cara alguma melodia árabe). Chab Mami foi a eleição de Sting, mas ele queria que algo em árabe fosse cantado no começo. Não sabia o que, entretanto, e pediu que Chab compusesse algo. Mas o que? Perguntou. Foi quando Sting disse que se tratava de uma música sobre amor, um amor impossível…
Chab compôs. Uma parceria perfeita. Sting conta que ficou altamente surpreso quando ouviu e viu a tradução do que ele tinha escrito. O que exatamente ele canta no começo ?
‘Oh noite, oh minha bela noite (referindo-se a sua amada que é tão bela quanto uma clara e linda noite no deserto), há já uma eternidade que busco por ti. Mesmo que eu anseie para vê-la e finalmente conhecê-la para poder tê-la em meus braços para sempre, preferiria mantê-la em minha mente, como um poema secreto. Moldá-la e fazê-la ainda mais bela por dentro e por fora.
Uma linda música e um belo exemplo de parceria musical. Uma canção para ser apreciada, ouvida, sentida… Quem nunca esteve em situação similar, afinal?
Deixo duas versões de ‘Desert Rose’. A original e outra mixada.